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Londres, abril de 1814Expectativas de família, e a culpa por não estar à altura delas, seriam a ruína de Liz Medford. Dado que seu pai, o barão James Medford, jamais fora um bastião da responsabilidade, tendo acumulado uma verdadeira montanha de dívidas de jogo até morrer inesperadamente, parecia injusto que os parentes espe- rassem que ela, os salvasse ao se casar com Harold Wetherby. O terceiro primo podia ter uma renda considerável, mas a lem- brança das mãos suadas de Harold, tocando-a quando tinha ape- nas catorze anos, era o suficiente para convencê-la de que não Além disso, uma vez que havia se revelado um retumban- te fracasso na seara do casamento, Liz tinha um novo plano. No momento em que se encerrou o desjejum, apressou a irmã mais nova, Charity, e a criada, Emma, para fora da casa dos Medford e direto para o Hyde Park, ignorando a torrente de Estavam no parque não tinha mais de um minuto, quando Charity encarou Liz e lhe levantou o queixo. — Agora vai dizer o que está acontecendo? Se continuar a me provocar desta maneira, vou acabar morrendo! Liz olhou para trás. Emma caminhava próxima o sufi- ciente para que atuasse como acompanhante, mas sem ouvir a — Está certo. Pelas últimas semanas, pensamos apenas em uma coisa: conseguir um homem, qualquer homem que não seja Harold, para que me peça em casamento. Agora que deixamos o luto por papai, titio e mamãe estão ansiosos para que eu acei- te a oferta. Estou ficando sem desculpas, mas talvez haja outro — Pense. O que Harold ganharia ao se casar comigo? — Seus contatos. Ele quer respeito, ascensão social. — Exatamente — confirmou Liz, com alegria. — Não quero me casar com Harold, certo? Bem, nós está- vamos pensando que eu precisaria de uma oferta melhor para me ver livre. Mas não preciso. Preciso apenas que ele retire sua — Mas o que o levaria a fazer isso? Ele já sabe sobre a situação financeira de papai, e nem esse grande fiasco o fez retro- — Não, porque, pobre ou não, sou uma “moça de família”. — Céus, Liz, não sei se gosto do que está pensando! — Se eu não fosse mais respeitável, se eu estivesse, digamos, arruinada, Harold voltaria atrás! — Quase tropeçou sobre uma raiz, tamanha a excitação diante da ideia. — Isso é muito ousado. Mas como você faria? E pense no que mamãe e titio fariam! Atirariam você para fora, certamente. Você seria deserdada, desonrada. Para onde iria? — Eu poderia trabalhar para viver, por exemplo. — Liz mordeu o lábio, ciente de que seu plano tinha mais coragem do que conteúdo. — Eu teria o que fazer. Sou boa com agulhas, assim poderia trabalhar para uma costureira. Ou então tornar- me uma governanta. Qualquer coisa seria melhor do que casar- me com Harold. Eu seria forçada a tolerar seu toque e.
Arrepiou-se, mas lutou para recuperar o controle sobre as emoções. A irmã mais nova não precisava saber o quanto o pri- mo distante a assustava. Ele havia tentado chamar sua atenção anos antes, e agora que ela estava mesmo a seu alcance, não pararia por nada até que a houvesse desposado.
A não ser, é claro, que se casar com ela ameaçasse suas ambições e lhe ferisse a preciosa reputação.
— É com você que estou preocupada. Meu casamento — Faça o que precisar. E não se preocupe demais comigo. Pelo amor de Deus, não se case com o monstro só porque ele se ofereceu para manter-me alimentada e vestida. Mas, para que seu plano dê certo, sua reputação deve ser totalmente destruída, e em breve. Você parece se esquecer de que, apesar dos escân- dalos e dívidas de papai, você, irmã querida, não tem qualquer — Você já pensou em tudo. Está tramando algo. — Bem, conte-me! Você sabe que não suporto quando não me Liz sorriu, serena, ainda que seu coração se acelerasse.
— Você não pensou que viemos ao Hyde Park apenas para um passeio, pensou? Não, Charity, decidi que a melhor manei- ra de destruir minha reputação, de maneira que seja certo que Harold jamais se aproxime de novo, é ser pega em uma situação — Mas. você precisaria de um homem disposto a participar dessa farsa. Nenhum cavalheiro jamais aceitaria tal coisa! Mas Alex Bainbridge, duque de Beaufort, talvez.
Liz o avistou passeando por um caminho lateral. Mesmo àque- la hora da manhã, o homem tinha a aparência de um predador. Desde que se interessara pelo belo duque, na infância, seguindo- lhe cada movimento com fascinação, ela soubera de sua reputa- ção, a combinar com a aparência letal. Fora assim que descobrira também que ele tinha o hábito de passear pelo parque sempre — Vai fazer isso agora? Tem certeza de que não há outra — Mary Sutherby e a irmã estão logo ali. Vou juntar-me a — Cuidado, Charity, é exatamente o que não vou ter. Os olhos da irmã se arregalaram de apreensão e admiração.
— Boa sorte — disse, e se afastou, apressada. Liz virou-se. Um olhar apenas em direção a Emma foi o sufi- ciente para que a criada ficasse ainda mais para trás. Apressou-se, então, apenas o suficiente para que interpelas- se o duque enquanto passava-lhe à frente. Puxou o vestido um pouco para baixo, de modo a exibir mais o colo, lembrando-se de que sua presa estava acostumada a mulheres ousadas.
— Srta. Medford. — O duque reduziu o passo. — Posso tomar-lhe um momento? — O coração dela se ace- lerou. Teve de levantar a cabeça a fim de encontrar-lhe os olhos. Os vastos cabelos negros do duque roçaram as faces mal barbea- das quando ele se curvou para cumprimentá-la.
— É claro. Precisa de algum tipo de ajuda? O duque olhou em volta, como se houvesse alguma Liz respirou fundo. Como abordar o caso? Os livros de eti- queta não cobriam o assunto sobre destruir a reputação de alguém, apenas diziam como preservá-la. — Obrigada, Vossa Graça, por permitir-me um momento de seu tempo. Não estou aqui para engrossar as fileiras de mulheres oferecidas que o cercam, esperando que lhes ofereça a mão. — Não? — Ele deu um sorriso. — Minha habilidade na valsa deve estar diminuindo. Em geral, não é preciso mais do Contente por ter sido lembrada, Liz duelou contra o desejo de responder justamente da maneira que havia se prometido a — Se não é de outra dança que está atrás, e se não teve qual- quer infortúnio no parque, então como posso ser de serventia? — Na verdade, tenho uma proposta a fazer. É mesmo? Uma proposta vinda de uma dama? A voz era provocante, mas as feições estavam em alerta. — Apenas espere até que a tenha ouvido.
O duque gargalhou, analisando-a com um olhar descrente, e ela sentiu um arrepio diante do que estava prestes a fazer. — Veja, minha mãe está me obrigando a me casar e eu gosta- — Como? — murmurou o duque. — Deixe-me compreender. — Por mim? — O rosto do nobre tomou um ar mascarado, e a expressão cínica substituiu a franca gargalhada de — Sim. Não tenho muita experiência nesses assuntos, mas pensei que Vossa Graça saberia como pôr algo assim em prática. — Imagino que o benefício para milorde seria o que os cava- lheiros buscam quando arruínam uma donzela. — É claro que se milorde estiver inseguro sobre como — Não é meu conhecimento nessa área que me faz pensar. É a tolice da sua proposta. Sabe o que está pedindo? — Então sabe o que acontecerá a você. — Sem dúvida. — Sorriu. Ele poderia não entender, mas aquelas consequências eram exatamente o que ela pretendia. — Lamento. Não estou interessado. — Ele se virou para ir — Por que não? — Ela não pôde evitar. — Pode soar como surpresa, mas não tenho o hábito de sedu- zir inocentes e assim isentar-me de minhas responsabilidades.
Mas não compreendia. Não tinha ele, justo aquela reputação? — Bem, milorde não precisaria me seduzir. Poderíamos apenas deixar que o rumor se espalhasse.
— Eu já lhe disse. Não estou interessado. — O duque olhou por sobre o ombro, como se devesse estar em outro lugar. O constrangimento a invadiu, e a garganta apertou-se sob a ameaça do choro. Era hora de aceitar a derrota.
— Neste caso, agradeço por seu tempo, Vossa Graça. Ficaria grata se não mencionasse nada desta conversa a ninguém — murmurou, reunindo os últimos retalhos de dignidade. Liz virou-se e se afastou o mais rápido que seu vestido lhe Alex analisou a ruiva enquanto ela se afastava, apressada. Toda a família Medford devia estar louca. Era a única explicação. Ele havia dançado com ela em um baile, e a moça lhe parecera Mas ele não soubera quem ela era até que fosse tarde demais. Tendo crescido com Liz, no entanto, bem sabia sobre sua solidão. De qualquer modo, jamais tinha imaginado que a inocente garota planejava pedir-lhe que se envolvesse em tão ilícita relação. Onde ela arranjara tal ideia? — Liz, uma palavra com você — disse lady Medford, abor- dando a filha no momento em que cruzava a porta de casa. Charity, a quem Liz tinha se juntado no parque antes que vol- tasse a casa, ouviu o tom da mãe e desapareceu como névoa sob o vento, deixando-a para que se defendesse sozinha. Lady Medford caminhou ao longo do corredor e Liz a seguiu, resignada, arrastando os pés sobre o piso encerado de madeira. A mulher virou-se e encarou a filha como um general se dirigin- — Chegou ao meu conhecimento que você foi vista Liz soltou um grunhido. O duque era a última pessoa sobre — Creio que não. — Beaufort deixara bastante claro que não — Bom. É melhor que não se envolva com ele. Agora Liz estava confusa, já que a afirmação de lady Medford a qualificava como a única mãe em toda a cidade que não dese- java ter a filha cortejada pelo rico, belo e disponível duque — Mamãe, eu asseguro de que não houve nada. Foi apenas — Ainda assim, o homem tem uma péssima reputação. Qualquer envolvimento com ele tem grandes chances de se revelar uma decepção para você. Além do mais, não creio que Liz olhou a mãe, espantada. Ela havia evitado a menção ao marido desde que este falecera. Então por que ela o fazia — Está tudo bem, mamãe. Não tenho qualquer esperança de — Muito bem. Céus! Este ambiente precisa ser arejado. Os criados estão se tornando relapsos em seus afazeres. Liz manteve a boca fechada. Os criados não eram relapsos. Estavam partindo. Sabiam tão bem quanto qualquer um que seu pai havia morrido sem deixar herança, e sim dívidas con- sideráveis. Lentamente, vinham arranjando emprego em casas Virou-se para partir, presumindo que a mudança de assunto Liz fechou os olhos por um momento. Poderia seu dia tor- nar-se ainda pior? Primeiro, a cena humilhante e malsucedida no parque. E agora, quando só queria paz, deveria receber.
E com que propósito? A mãe anunciaria seu noivado em questão de horas, e ela já estava sem ideias sobre como evitar — Wetherby está esperando na sala de costura. Quis ter cer- teza de que você não nutria nenhum sentimento por Beaufort antes que a enviasse até lá. Mas vejo que, ao menos neste Liz se encolheu. Falar sobre o duque de Beaufort era infinita- mente preferível a falar com Harold Wetherby.
— Não podemos mais esperar, Liz. O fato de Wetherby não ter um título é lamentável, mas sua renda não. Dei-lhe todas as razões para que pensasse que seu pedido será aceito, ainda que, é claro, ele queira ouvir isso de sua boca. Maldição. O plano podia ter falhado, mas, de qualquer modo, não estava pronta para encarar o primo.
— Sim. Vou vê-lo assim que me recompuser do passeio ao — Vou pedir que o mordomo transmita o seu recado. Quinze minutos mais tarde, Liz adentrava o recinto. Seu inde- sejado futuro noivo encontrava-se à janela, batendo os calçados caros sobre o piso. Não parecia muito feliz em vê-la. — Harold — ela saudou com tanta polidez quando pôde reunir, forçando um sorriso nos lábios. Ela se retesou enquanto ele se aproximava. — Você está ótima — ele elogiou, parando apenas quando estavam a alguns centímetros de distância. — Melhor do que esperaria de alguém lidando com o luto. — Tem razão. Ainda assim, você tem seguido em frente um Liz ergueu o queixo, num desafio. Do que ele a estava — Não? Então deixe-me explicar. Por que pensa que me Liz tinha muitas teorias àquele respeito, mas, como Harold não iria apreciar nenhuma delas, manteve-se em silêncio. — Respeitabilidade, Liz! Sua ausência de dote eu posso tolerar. Tenho fundos suficientes. Mesmo assim, planejo frequen- tar a sociedade, e certamente quero o respeito que deveria advir com o casamento com a filha de um nobre.
— Claro. Mas isso não explica por que me escolheu. — Você sabe muito bem por quê. Seu pai, o jogador desgraça- — Compreendo — ela murmurou. Desistiu de mencionar que, para alguém que alegava querer respeitabilidade, ele não parecia ter escrúpulos quanto a usar uma linguagem inadequada — Claro que não compreende. De outra forma, teria mais — Cuidado, Liz! Não vou aceitar uma esposa que me responda assim. Muito menos uma que tenha se arruinado. Mesmo insultada como estava, Liz sentiu um raio de espe- rança. Ainda não havia feito nada inapropriado. Mas, se Harold acreditava ser diferente, talvez pudesse convencê-lo de que o — Ainda não sou sua esposa, e você ultrapassa os limites — Então o que significa isto? — Ele passou o dedo indica- — Como ousa? — Ela o estapeou, indignada.
— Por que não deveria? — Harold avançou outra vez, lan- çando-lhe um olhar maldoso. — Você se esforçou bastante para se deixar à mostra. Uma mulher respeitável teria mais cuidado ao se vestir. Assim como fará você quando for minha esposa. — E além do mais, você precisa ter mais cuidado com as suas — O duque de Beaufort! — explodiu o homem, com o rosto — Se está tão preocupado com seus avanços na sociedade, devia estar satisfeito por casar-se com alguém requisitado por figuras mais preeminentes do que o senhor. — Por mais que seja preeminente, o duque é um conhecido libertino! Todos sabem disso. Ainda assim, você o acompanha Talvez o plano estivesse funcionando, concluiu Liz, lançando- — Bah. Ele aprecia sua inocência, talvez. Mas, de agora em diante, vai guardar seus flertes e seu corpinho deleitável apenas — Eu não havia me dado conta de que você era tão. anti- quado. Afinal, pouquíssima gente na cidade espera um cônjuge fiel. Talvez não combinemos muito, no final das contas. — Combinamos bem o suficiente. — Harold deu um passo à frente, fechando a mão em volta do braço dela. — Não vou dei- xar que seja arruinada por outro homem. O direito ao seu corpo é meu. E vou casar-me com a filha de um barão, não com uma A bile subiu pela garganta de Liz ante a ideia de ela ter de encarar a intimidade de tal monstro. Sem pensar, ela o estapeou Harold a soltou tão depressa que ela chegou a cambalear. — Sua cadela! — berrou, segurando o nariz. — Saia daqui. — Ela apontou um dedo em direção à porta. Harold cambaleou até a saída e então se virou.
— Não pense que isto está encerrado, Liz. Você pode se safar agora, mas, como minha esposa, vai aprender a se curvar dian- te de minhas vontades. — Bateu a porta atrás dele com tanta força que fez a madeira reverberar sobre a soleira. Liz sentou-se, tremendo, na poltrona mais próxima, e abra- çou a si mesma com força. A pele do braço ainda ardia onde ele a havia apertado. Na manhã seguinte, haveria hematomas, A gritaria de Harold, contudo, podia significar que ele estava a ponto de desistir do casamento. Não poderia tratá-la daquela Alex mirava o brandy através da penumbra do escritório. Pensara em passar a noite em casa, mas o incidente da manhã, no parque, se repetia em sua cabeça. Por que não podia simples- mente bloqueá-lo? A adorável ruiva era tão louca quando o pai, mas o desespero que flagrara em seus olhos devorava-lhe a Ela jamais teria se aproximado se soubesse o que ele faria. Ou talvez tivesse, refletiu após um longo gole do conhaque. Afinal, ele havia tomado parte na destruição de sua família, ainda que não tivesse sido nada intencional. Por que ele não terminaria Não. Irredimível como era, não desceria tão baixo. Aquilo Os olhos verdes e magoados de Liz dançaram em sua mente. Se ela ao menos soubesse. Não teria sido sacrifício nenhum. Ele podia se ver beijando o lábio carnudo ou o canto do sorriso tímido. Exploraria as formas esguias de seu corpo, a curva dos Virou o resto do brandy e se levantou. Até o pensamento o Precisava de distração. Uma noite de cartas e bebedeira, tal- vez. Já que havia dispensado sua última amante, e como não gostava de casas de tolerância, iria se restringir aos clubes de Alex chegou ao White’s mais tarde naquela noite, apenas um pouco bêbado, e seguiu imediatamente para sua mesa. Os lor- des Stockton, Wilbourne e Garrett, todos antigos jogadores, já estavam sentados e dedicados ao agradável passatempo de Enquanto sentava-se, um garçom apareceu com um copo de seu costumeiro conhaque, e Alex o agarrou. As três doses que tinha bebido antes de sair de casa não tinham apagado de sua memória a menina tentadora que lhe havia oferecido sua própria ruína naquele dia. Tampouco as lembranças do pai dela.
Os outros homens o conduziram a um jogo de cinco cartas. Jogaram várias rodadas, mas a mente de Alex não estava ali. — Qual foi a coisa mais estranha que já ganharam nas — Uma pequena propriedade na Escócia — lembrou-se lor- de Stockton. — No alto das montanhas. Um lugar selvagem onde nenhum inglês em sã consciência viveria. Lorde Garrett, o mais jovem, arrepiou-se.
— De qualquer maneira, terras são terras, e com frequência se aposta para obtê-las. Isso não é tão estranho. Eu, por outro lado, mereci ganhar um leitão premiado.
— Você, dono de um porco? — Wilbourne gargalhou.
— Pelo tempo que me leve até que o venda a qualquer preço. Stockton balançou a cabeça. Apostador experiente, lidava — Um porco! — Wilbourne riu outra vez. — Algo que — Uma mulher — contou Alex, e quase imediatamente se arrependeu. Devia ter parado de beber quando houvesse alcan- çado o ponto em que a boca funcionava mais rápido do que Os outros três o fitaram, interessados. — Conte. — Wilbourne baixou as cartas.
— Amante de alguém? — colaborou Garrett. Ele sacudiu a cabeça, desejando não ter de explicar.
Os três homens pareceram horrorizados, e Alex suspirou.
— Eu estava apostando com um homem que havia passa- do dos limites. Eu não sabia, ou então jamais teria jogado com ele. De qualquer forma, é suficiente dizer, quando ele se deu conta de que não poderia pagar por suas muitas perdas, ofereceu — Quem faria tal coisa? — ofegou Wilbourne. — O homem já faleceu. Prefiro não citar o nome e não pisar- — Uma atitude positivamente medieval — confirmou — Você aceitou? — perguntou Garrett. — É claro que não aceitou — respondeu Wilbourne por Alex. Uma homem sentado à mesa mais próxima, o qual Alex, em meio ao torpor do álcool, não foi capaz de identificar, levan- tou-se e roçou suas costas enquanto passava, fitando-o por um pouco mais de tempo do que seria educado. Havia ouvido a con- Garrett olhou para Alex, buscando confirmação. — Não, não aceitei — ele disse.
Seria sua reputação tão ruim a ponto de que os amigos o jul- gassem tão mal? Possuíra muitas amantes e concubinas, mas jamais havia tomado uma mulher que não se apresentasse por — Lamento arruinar suas expectativas, Wilbourne, mas vai ter de se contentar em ganhar o dinheiro desses outros cavalhei- Liz chegou ao refúgio temporário do quarto, caminhou por alguns segundos, e então abriu o guarda-roupa e o baú. Contemplou quais coisas seriam mais essenciais para que levasse consigo. A fúria e o medo que sentira diante de Harold haviam cedido, deixando para trás uma sentença firme. — É um homem horroroso. Um verdadeiro animal. Liz se assustou quando deram voz a seus pensamentos.
— Charity! Você realmente sabe surpreender as pessoas. — Não muito. — Ela esfregou o braço.
— Liz, como você pode suportar? Ele é terrível demais. Com renda ou não, não consigo compreender por que mamãe e nosso tio querem que se case com ele. Fiquei feliz por você — Está errada. Ele merecia aquilo e mais. Você não pode Charity olhou em volta, parecendo notar pela primeira vez as malas que a irmã estava fazendo.
— Acho bom mesmo. — Charity suspirou. — Mas para onde vai?— Vou visitar Bea. Ela vai me abrigar até que eu pense em Lady Beatrice Pullington havia adentrado a sociedade no mesmo ano que Liz, e as duas tinham se tornado amigas bem depressa. Bea se casara quase imediatamente, já que a família fizera arranjos antecipados com lorde Pullington, um membro mais velho da linhagem. Mas o homem havia vivido por ape- nas seis meses, até que seu frágil coração cedesse por completo, deixando Bea como uma próspera e jovem viúva. Pelos últimos dois anos, Bea havia mantido a casa na cida- de, um privilégio garantido por seu status de viúva. Era bonita e rica o suficiente para atrair outro marido. De qualquer modo, não tinha desejo de renunciar à independência que julgava mere- cer após o breve, porém, difícil casamento. Liz sabia que poderia encontrar refúgio temporário com a — Devo escrever-lhe uma mensagem enquanto você faz as — Não. Ela teria de ser entregue, e é melhor que pouca gente saiba de meu destino. Confio que Bea não me deixará plantada à porta, por mais inesperada que seja minha visita. E também sei que posso confiar em você para que não diga nada a ninguém. — É claro. E, Liz, você pode fazer isso sozinha. Não precisa — Ah! Nem me lembre disso. Em que eu estava pensando? — Ah, não seja tão dura consigo. Talvez você quisesse ape- nas um pouco de diversão, antes de se confinar a uma vida de tédio. O duque é bem “quente”, não é? A irmã sorriu, depois voltou a ficar séria.
— Esta noite, depois que mamãe tiver se recolhido.
— Perfeito. Vou dizer que você escapou enquanto eu dor- mia. E vou agir como se estivesse magoada por não ter confiado Liz sorriu e deu um rápido abraço na irmã. Então fechou a Nas horas seguintes, as duas circularam pela casa, fingin- do estar tudo normal sempre que os criados se aproximavam, e fazendo planos sussurrados quando se viam a sós.
A noite chegou, mas nenhuma mostrava qualquer inclinação para o sono. Charity olhou através da janela de Liz, agarrando as cortinas. A irmã, estranhamente calma, sentava-se próximo — Ouvi mamãe dizer que tem um encontro na residência dos Jameson esta noite. Assim que ela se for, você pode seguir seu rumo. Olhe! O condutor já está preparando o coche. Liz concordou. O velho condutor, Fuston, estivera dirigin- do na noite do acidente e havia desaparecido logo após a morte do pai dela. Na certa sentira-se culpado demais para permanecer — Pronto, minha irmã. Mamãe está subindo no coche! Liz se levantou e contemplou a irmã que amava com todo o — Charity, tem certeza de que estará bem, depois que eu for? — É claro. Eu sei que não ficarão felizes comigo, mas posso suportar. Não precisa mais me proteger, Liz. — Vou sentir a sua falta mais do que tudo! — Recompôs-se rapidamente. — Vá na frente e consiga uma carruagem. Vou terminar aqui e estarei pronta quando ela chegar. Olhou o adorável quarto verde e dourado que conhecera por anos, e bateu a porta para aquela antiga vida.
O estábulo dos Derringworth, localizado nos arredores de Londres, servia apenas aos clientes mais distintos: nobres, em sua maioria. A empresa possuía tudo, desde cavalos de corrida até montarias para donzelas, com apenas uma regra: qualquer cavalo proveniente dos Derringworth era da mais alta qualida- de. A operação representaria a epítome do que Harold Wetherby aspirava se tornar. Motivo pelo qual o homem estava a caminho de lá, interessado em conseguir um novo animal.
Um jovem encontrava-se sentado a uma pequena escrivani- nha à esquerda da entrada, e se levantou ao vê-lo. — Harold Wetherby. Vim para ver o garanhão que, dizem, — Sr. Wetherby. Sim, vi seu nome em nosso livro. Tim Kemble. Sou assistente do sr. Derringworth. Um assistente? Sua visita não merecia a presença do proprie- tário?, perguntou-se Wetherby, irritado.
— Se milorde me acompanhar, podemos dar uma olhada no Passaram por uma baia vazia, depois por várias que abriga- vam belos reprodutores e éguas, até que Kemble se deteve.
— Este garanhão é soberbo. Descendente de Warrior Prince. Agora, se é de um cavalo para cavalheiros que milorde está atrás, pode se interessar pelo Marty aqui. — Gesticulou para dentro de uma baia. — É também um belo animal. Harold lançou ao bicho um olhar impaciente. O cavalo era mesmo excelente, mas suspeitou de que Kemble o houvesse julgado mentalmente como indigno do melhor animal que o está- — Alguém aí? — Uma profunda voz masculina soou da

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