Demografia brasileira na National Geographic (em português) National Geographic Edição – 138 – Elas têm a força http://viajeaqui.abril.com.br/national-geographic/edicao-138/mulher-brasileira- 637866.shtml Elas têm a força Donas de grande autonomia social e inspiradas por telenovelas, as mulheres do Brasil promoveram uma revolução ao reduzir a taxa de natalidade e impulsionar a vibrante economia do país. Por Cynthia Gorney Os taxistas sabem que à noite seus passageiros não querem perder nem um minuto da novela. Na popular Ti-Ti-Ti, Claudia Raia interpreta uma voluntariosa estilista de moda. José Alberto, Murilo, Geraldo, Ângela, Paulo, Edwiges, Vicente, Rita, Lúcia, Marcelino, Teresinha. Dá 11, certo? Sem contar um natimorto, três abortos espontâneos e um bebê que não chegou a viver um dia inteiro. Dona Maria Ribeiro de Carvalho, de 88 anos, conclui com voz grave a contagem de suas 16 gestações e olha para José Alberto, o primogênito, que veio para uma visita domingueira e está no sofá fumando um cigarro. "Com esse número de filhos que eu tive", diz ela com uma pontinha de recriminação, "a esta altura eu já deveria ter mais de 100 netos." José Alberto, que passou a manhã pescando em seu sítio, ainda não trocou a calça de moletom. Na sala da mãe, na cidade sul-mineira de São Vicente de Minas, espremem-se três poltronas, uma televisão, numerosas fotos da família, desenhos emoldurados de Jesus e Nossa Senhora e o sofá de vinil preto onde agora ele, o professor Carvalho, chefe de departamento em vias de se aposentar na Faculdade de Economia da Universidade Federal de Minas Gerais e um dos mais renomados demógrafos brasileiros dos últimos 50 anos, descansa. Ele põe os pés para cima e sorri. É claro que sabe o total de netos da mãe: 26. Passou boa parte de sua vida pesquisando, catalogando e registrando o notável fenômeno demográfico do país que se replica em miniatura em sua própria gente - em duas gerações a taxa de fecundidade despencou para 2,36 filhos por família, bem próxima da média nacional, 1,9. A nova taxa de fecundidade no Brasil está abaixo do nível que permite a uma população substituir a si mesma. É inferior à taxa dos Estados Unidos, dois filhos por mulher. No Brasil de 191 milhões de habitantes, o maior país da América Latina, a Igreja Católica Romana predomina, o aborto é ilegal (com raras exceções) e nenhuma política oficial jamais visou ao controle da natalidade, mas ainda assim o tamanho das famílias sofreu uma queda tão drástica e insistente nas últimas cinco décadas que o gráfico da taxa de fecundidade agora mais parece um escorregador de playground.
Não são apenas as brasileiras mais ricas e com profissões especializadas que deixaram de ter prole numerosa. Muitos ainda pensam que no campo e nas favelas as mulheres continuam parindo um filho atrás do outro, o que não é verdade. Em Belo Horizonte, a quatro horas de viagem da cidadezinha sul-mineira, os pesquisadores do centro demográfico que Carvalho ajudou a fundar identificaram o mesmo declínio em todas as classes e regiões do Brasil. Durante as semanas em que conversei com mulheres brasileiras, conheci professoras, separadoras de lixo, arquitetas, jornalistas, balconistas, faxineiras, atletas profissionais, estudantes do ensino médio e mulheres que viveram como sem-teto na adolescência. Quase todas disseram que uma família brasileira moderna deve ter dois filhos, idealmente um casal. Três ainda vai, às vezes. O filho único pode já ser de bom tamanho. Certa noite, em um bairro operário na periferia de Belo Horizonte, uma garota solteira de 18 anos olha carinhosamente para seu garotinho que vem rolando um caminhão de brinquedo na nossa direção. Adora seu menino, diz ela, mas remata com uma expressão contundente que já ouvi de outras brasileiras: "A fábrica está fechada". A marcante queda no número de filhos nas últimas décadas não é um fenômeno exclusivo do Brasil. Apesar da preocupação com o crescimento da população mundial, quase metade da humanidade vive em países nos quais as taxas de fecundidade caíram abaixo da de substituição demográfica, o nível em que um casal tem apenas o número suficiente de filhos para substituir o pai e a mãe, ou seja, dois. No resto do mundo essas taxas também vêm declinando, com a notável exceção da África subsaariana. Para os demógrafos que investigam as causas e as implicações dessa surpreendente tendência, o Brasil, desde os anos 1960, é um dos laboratórios mais profícuos do planeta. Mesmo com seu vasto território e suas enormes diferenças regionais em geografia, raças, cultura e nível socioeconômico, o Brasil possui dados populacionais que são, por tradição, particularmente minuciosos e confiáveis. Semelhanças com o caso brasileiro têm sido encontradas em vários países, inclusive naqueles em que a maioria da população também é católica romana, mas a experiência local não é igualada em nenhuma outra. "O que demorou 120 anos para acontecer na Inglaterra levou 40 anos aqui", comenta Carvalho. "Alguma coisa aconteceu." Nesse instante ele está falando sobre o que ocorreu em São Vicente de Minas, a cidade de sua infância, onde hoje em dia ninguém com menos de 45 anos tem um bando de irmãos do tamanho de um time de futebol. Mas poderia estar se referindo a toda a população feminina do país. Pois, embora sejam muitas as razões do declínio tão drástico e rápido na taxa de fecundidade nacional, todas têm como eixo as mulheres fortes e resilientes que algumas décadas atrás, sem incentivo do governo e desafiando os ditames de seus bispos, começaram a "fechar a fábrica" como puderam. As brasileiras com menos de 35 anos que já se submeteram à laqueadura tubária são numerosas e falam abertamente sobre sua opção. "Eu tinha 18 anos quando nasceu meu primeiro filho. Queria parar por ali, mas o segundo
veio por acidente. Então tomei a decisão: agora chega!", diz uma artesã de 28 anos em Recife enquanto me mostra como se dança o forró. Tinha 26 anos por ocasião da laqueadura e, quando lhe pergunto por que escolheu um método contraceptivo irreversível ainda tão nova - e se ela e o marido um dia mudarem de ideia? -, a artesã torna a falar que já teve o filho número 2, o "acidente". Diz que a pílula anticoncepcional lhe dá náuseas e a faz engordar. E, para o caso de eu não ter registrado sua explicação, frisa: "Agora chega". Afinal, por que dois? Por que não quatro? Por que não oito, como sua avó? Sempre ouço a mesma resposta: "Impossível! Caro demais! Muito trabalho!" E com a mesma expressão no rosto, os olhos arregalados e o esgar de espanto que agora já conheço bem: "Estamos no século 21, minha senhora. Está louca?" Um acirrado debate sobre os múltiplos fatores da queda na taxa de fecundidade no Brasil está em curso entre os estudiosos da população, como José Alberto Carvalho. ("Não deixe que ninguém lhe diga que sabe com certeza o que causou o declínio", me avisa um demógrafo do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional em Belo Horizonte, o Cedeplar. "Nunca chegaremos a uma explicação vencedora, a mais correta.") Mas, se alguém tentasse elaborar uma fórmula para reduzir a taxa de fecundidade em um país em desenvolvimento sem intervenção do governo - sem política de filho único como na China, sem tentativas de esterilização forçada como na Índia -, eis um plano informal de seis metas inspirado nas peculiaridades do Brasil moderno: 1. Industrializar com atraso, de forma febril, causando no período de 25 anos uma realocação relâmpago da população das áreas rurais para as urbanas que os economistas antes julgavam ser possível apenas em um século. O regime militar implantado no Brasil com o golpe de março de 1964 e mantido por duas décadas de autoritarismo muitas vezes brutal forçou o país a engajar-se em um novo tipo de economia que concentrou o trabalho nas cidades, onde as habitações são apertadas, as ruas das favelas representam perigo, os bebês são vistos mais como fardos dispendiosos do que como futuros braços para a lavoura, e os empregos que as mulheres precisam ter para sustentar a família requerem sua ausência de casa por até dez horas diárias. 2. Manter sem controle a maioria dos medicamentos e a venda sem receita nas farmácias, de modo que, ao surgir a pílula anticoncepcional nos anos 1960, as mulheres de todas as classes sociais possam, com dinheiro, ter acesso a ela mesmo sem a prescrição de um médico. E fomentar nessas mulheres uma excepcional insensibilidade para com a posição da Igreja Católica sobre a contracepção artificial. (Ver item 4.) 3. Melhorar as estatísticas de mortalidade neonatal e infantil até que as famílias não se sintam mais compelidas a ter filhos adicionais por segurança, na suposição de que alguns morrerão jovens. Além disso, manter um programa nacional de previdência social de qualidade, livrando os pais da classe trabalhadora da convicção de que uma família numerosa será sua única possibilidade de sustento na velhice.
4. Distorcer os incentivos financeiros de seu sistema de saúde por uma ou duas gerações para que os médicos aprendam que podem contar com remuneração maior e horários de trabalho mais previsíveis se fizerem cesarianas em vez de esperar o momento do parto natural. Depois espalhar a notícia, de mulher para mulher, de que um médico de hospital público que já tenha iniciado uma cirurgia de cesariana talvez possa ser persuadido a adicionar discretamente uma laqueadura nas trompas, e assim assegurar um próspero mercado paralelo aprovado há décadas para esse método de contracepção permanente. O sistema brasileiro de saúde só reconheceu formalmente a esterilização feminina voluntária em 1997. Mas a primeira vez em que ouço a frase "A fábrica está fechada" ela vem de uma professora aposentada de 69 anos que se submeteu à laqueadura tubária em 1972, depois de ter seu terceiro filho. A professora tem três irmãs. E todas fizeram a mesma cirurgia. Sim, as três são católicas. Sim, a hierarquia da Igreja desaprova. Não, nenhuma delas se importa muito; são devotas, mas em certos assuntos o clero masculino talvez não tenha condições de discernir a verdadeira vontade de Deus. Enquanto a professora serve chá em xícaras de porcelana durante a nossa conversa à mesa na sala de jantar, comenta sem se preocupar: "Todo mundo fazia isso". 5. Introduzir ao mesmo tempo eletricidade e televisão em boa parte do interior do país para revolucionar duplamente o modo de vida familiar tradicional, depois inundar as transmissões com uma imagem singular, vívida e invejável da família brasileira moderna: abastada, de pele clara e pequena. Os estudiosos procuram descobrir se o encolhimento da família pode ter sido influenciado pelas novelas brasileiras, levadas ao ar durante meses a fio como uma série interminável de folhetins eróticos. Um estudo concluiu que a disseminação da televisão ocorreu mais rápido que o acesso à educação - que melhorou muito no Brasil, porém a um ritmo mais lento. Nos anos 1980 e 90 todo o Brasil era dominado pela Rede Globo, cujas novelas no horário nobre - antes às 8 da noite, agora às 9 - tornaram-se assunto frequente nas conversas; mesmo hoje, na era das transmissões por satélite de um sem-número de canais, vemos os televisores das lanchonetes sintonizados na novela global do momento. Quando estive no Brasil, o sucesso da vez era Passione, a turbulenta história dos Gouveia, uma família de industriais atormentados por segredos - uma gente bonita e rica cercada de objetos de desejo: motos, candelabros, bicicletas de corrida, passagens de avião, sapatos franceses. A viúva Gouveia, mulher decidida e admirável, teve três filhos. Bem, na verdade quatro, mas um ficou incógnito, pois foi concebido em um caso extraconjugal e mandado para a Itália ainda bebê porque… Ah, não interessa. O importante é que não havia muitos Gouveia nem famílias numerosas em todo o resto do enredo mirabolante. "Uma ocasião, perguntamos se a Rede Globo estava deliberadamente tentando introduzir o planejamento familiar", conta Elza Berquó, veterana demógrafa brasileira que contribuiu para o estudo dos efeitos das novelas. "Sabe qual foi a resposta? 'Não. O fato é que é muito mais fácil escrever novelas sobre famílias pequenas'."
E finalmente o item 6. Garanta que todas as mulheres do país sejam brasileiras. Brasil e mulheres, eis um território volátil. O termo "machismo" tem no português brasileiro o mesmo significado que no resto do continente, falante do espanhol, e está associado a altos níveis de violência doméstica e outras agressões físicas a mulheres no país. Mas o Brasil foi profundamente alterado pelo movimento feminista nos anos 1970 e 80, e hoje nenhum cidadão do continente americano pode chamar o Brasil de retrógrado em matéria de igualdade de gêneros. Quando Dilma Rousseff concorreu à Presidência em 2010, os debates nacionais mais acalorados foram sobre suas ideias e filiações políticas, e não sobre se o país estava preparado para ter a primeira mulher na Presidência. Aliás, entre os mais fortes concorrentes de Dilma estava uma senadora, Marina Silva, que já desponta como provável candidata em futuras eleições. O Brasil tem mulheres na alta oficialidade das Forças Armadas, delegacias especiais para mulheres chefiadas por mulheres e a mais famosa jogadora de futebol no mundo (a incomparável artilheira Marta). Uma noite, na cidade de Campinas, converso com o chileno Anibal Faúndes, um professor de obstetrícia que emigrou há décadas para o Brasil e ajudou a coordenar estudos nacionais sobre a saúde reprodutiva. Faúndes volta sempre ao tema daquela que é, em sua opinião, a principal causa da mudança na taxa de fecundidade em seu país adotivo. E simplifica as coisas. "A taxa caiu porque as mulheres decidiram que não queriam mais filhos", afirma o professor. "As mulheres brasileiras são muito fortes. Foi só uma questão de decidir e ter os meios para realizar." O caso do Cytotec traz dados graves mas esclarecedores. Cytotec é o nome fantasia de um medicamento chamado misoprostol, desenvolvido para tratamento de úlceras, que em fins dos anos 1980 se tornou internacionalmente conhecido como a pílula do dia seguinte - parte de uma combinação de duas drogas que incluía o medicamento chamado de RU-486. Mas, antes mesmo que o resto do mundo recebesse a notícia sobre a indução de aborto por esse comprimido - que entrou nos mercados francês e chinês em 1988 em meio a grande polêmica e foi depois aprovado nos Estados Unidos para interrupção da gravidez -, as brasileiras já haviam descoberto o fato por conta própria. Nenhuma campanha publicitária explicou os usos do misoprostol; estávamos na era pré-internet, lembremos, e a lei brasileira proibia o aborto exceto em casos de estupro ou risco de vida da mulher. Acontece que essa lei é desconsiderada em todos os níveis da sociedade. "As mulheres informavam umas às outras a dosagem", conta a demógrafa brasileira Sarah Costa, diretora da Comissão para as Mulheres Refugiadas, uma ONG com sede em Nova York. Ela escreveu sobre o fenômeno brasileiro do Cytotec para a revista médica Lancet. "Ambulantes vendiam o remédio em estações de trem. A maioria dos postos de saúde na época não tinha serviço de planejamento familiar; e, quando uma mulher tem motivos para regular sua fecundidade mas a assistência médica e as informações são precárias, ela sai perguntado a todo mundo: o que posso fazer? E assim o conhecimento se
transmite." O acesso fácil ao Cytotec não durou muito. Em 1991 o governo brasileiro impôs restrições à venda do remédio, e hoje ele só está disponível em hospitais - embora mulheres tenham me dito que ainda é possível obtê-lo pela internet. O sistema público de saúde paga pelas esterilizações e por outros métodos de controle da natalidade. Mas os abortos ilegais prosperam, em circunstâncias médicas que variam de confiáveis a assustadoras. Pode não ser 100% fácil ou seguro para as brasileiras manter sua família pequena, mas não faltam meios para fazê-lo. E em todos os aspectos, dizem mulheres de todas as idades, é isso o que elas agora esperam de si mesmas - e que o Brasil atual, por sua vez, parece esperar delas. "Observe os apartamentos", diz Andiara Petterle, executiva de marketing de 31 anos. "Eles são projetados para quatro pessoas. Dois dormitórios. Nos supermercados, as porções de comida congelada são sempre para quatro pessoas." Andiara fundou uma empresa especializada em pesquisas sobre o consumo das mulheres brasileiras, cujos hábitos de compra e prioridades de vida parecem ter sofrido uma guinada logo depois que ela nasceu. Só em 1977 o divórcio foi legalizado no país, comenta Andiara. "Mudamos muito depressa. Constatamos que, para muitas jovens, a prioridade agora é a educação. Em segundo lugar vem a carreira. E, em terceiro, filhos e uma relação estável." Portanto, criar filhos não desapareceu das prioridades modernas, ressalta Andiara, apenas foi mais para o fim da lista e se tornou um interesse mais difícil de conciliar com os demais. A executiva não é mãe, mas espera ser um dia. Ouço dela o que está se tornando um refrão bem conhecido: a vida no Brasil de hoje está cara demais para se criar mais de dois filhos. O ensino público em geral é ruim, dizem as pessoas, e as famílias despendem uma parcela enorme de sua renda para dar aos filhos boa educação privada. O sistema público de saúde também é ruim, e as famílias têm despesas colossais com assistência médica particular. Roupas, livros, mochilas, celulares: as coisas são caras mas devem ser compradas a qualquer custo. E tudo aquilo de que uma jovem família precisa, gritam as vitrines aos passantes ávidos de consumo, pode ser obtido com financiamento a curto ou longo prazo. Quer dar a seu filho aquele ursão de pelúcia, aquela boneca em uma linda caixa de presente, aquele minijipe movido a bateria? Compre em prestações, pagando juros, naturalmente. O crédito ao consumidor explodiu em todo o Brasil, chegando às famílias das classes C e D, que, duas décadas atrás, não tinham acesso a esses luxos adquiridos em parcelas. Durante a minha estada no Brasil, a revista Exame publicou uma reportagem de capa sobre a disseminação do consumismo pelas várias classes da sociedade. A jornalista paulistana que escreveu o texto, Fabiane Stefano, descreve o movimento que viu em uma agência de turismo inaugurada recentemente em um bairro da periferia. "A cada cinco minutos entrava alguém", conta ela no texto. "E 80% daquelas pessoas iam para o Nordeste visitar a família. De ônibus demora três dias, mas de avião se vai em três horas." Era a primeira vez que aqueles clientes viajariam de avião. "O funcionário tinha de explicar que eles não veriam
sua bagagem durante o voo." Seria um erro crasso supor que os brasileiros estão tendo menos filhos apenas porque desejam gastar mais com cada um. Mas é verdade que as questões aquisitivas - quanto as coisas custam hoje em dia, quanto as pessoas agora desejam - interessam e preocupam quase todas as mulheres brasileiras. Acredita-se que o menor tamanho das famílias ajuda a impulsionar a economia nos países em rápido desenvolvimento, sobretudo os cinco grandes hoje conhecidos como Brics: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Porém, crescimento econômico nacional não é garantia de bem-estar das famílias, a menos que a prosperidade seja bem administrada e investida nas gerações futuras. "Uma coisa em que tenho pensado muito é que estamos reduzindo a taxa de fecundidade no Brasil e em outros países dos Brics, mas não se vê nenhum empenho real no campo da ética", diz a executiva Andiara. "Poderia haver apenas 1 bilhão de pessoas no mundo, mas, com a mentalidade atual, consumiriam a mesma quantidade colossal de recursos." Em meus últimos dias no Brasil, vou tomar o café da manhã com um grupo de mulheres jovens, profissionais liberais paulistanas, a uma mesa na calçada defronte a uma banca de jornais na qual se veem oito luxuosas revistas sobre criação de filhos, todas transbordando de anúncios: bebê-conforto e carrinho conversível; "analisador eletrônico" para identificar o motivo do choro do bebê; DVD player com suporte de parede que projeta imagens móveis sobre o berço. Olhamos as fotografias de moda mostrando lindas criancinhas com roupas de tricô, óculos de aviador e peles sintéticas. "Olhe só estes bebês", diz Milene Chaves, uma jornalista de 33 anos, em um tom de voz que oscila entre admiração e desespero. Ela vira a página. "E parece que também é imprescindível ter um quarto decorado. Eu não preciso de um quarto decorado como este." Milene não tem filhos, por enquanto. "Quando eu tiver, quero simplificar as coisas", revela. As amigas à mesa concordam ainda olhando as revistas abertas: objetos atraentes, comentam, mas todos envolvidos por um tremendo excesso, uma superfluidade perturbadora. São todas habitantes da cidade mais rica do Brasil na casa dos 20 ou 30 anos e têm dois filhos, um ou nenhum. Refletem exatamente os padrões sociais que me foram descritos pelos demógrafos do país. Quando pergunto se elas gostariam de levar uma vida menos materialista, a exemplo dos mais velhos, duas gerações antes - oito, dez filhos, ninguém contratando decoradores para embonecar o quarto -, consigo identificar, no alarido que se segue, a palavra "prisioneira". Mas as respostas vêm abafadas pela gargalhada geral.
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